Contos
Bom dia personalizado
Michele Cardoso
"Todo dia ela faz tudo sempre igual...", diz a música. Só que eu simplesmente não consigo acordar às seis horas da manhã. A minha manhã deveria começar, no máximo, às sete horas. Deveria, só que o meu despertador toca de cinco em cinco minutos até às sete e meia. Acredito que eu não seja a única a sofrer dessa adorável preguiça matinal.
Desde que abro os olhos, duas palavrinhas me vêm em mente. Elas vêm e ficam ali, cutucando. Levanto e inicio a sucessão de ações automáticas que me obrigam a aceitar minha condição de pessoa responsável e acordada embora meus neurônios custem a se convencer.
Cumpridos os protocolos diários, estou pronta para sair de casa e ir para o trabalho. As palavrinhas seguem a me perturbar. Reluto em abrir a porta. Será que vou encontrar alguma vizinha? Talvez o zelador ou o carteiro? Quem ouvirá meu primeiro Bom dia de hoje?
Sim. As palavrinhas que me perseguem são estas: Bom dia. E lá vou eu cumprimentando o porteiro do prédio vizinho, a moça do mercadinho da esquina, o motorista da lotação, o jardineiro que trabalha na rua do meu trabalho, o segurança que fica na portaria.
Ufa! Cheguei. Agora só falta mais um simpático e sonoro Bom dia!, depois vou poder utilizar outras palavras do meu vocabulário.
Quem bom se fosse assim. Mas não é. As pessoas precisam de Bom dia individualizado. Faça o teste. Eu já tentei dizer: Bom dia, pessoal!; Oi, gente!; Olá, colegas!; Tudo bem?!; entre outras expressões. Não funciona. Só o que vale é o bom e velho Bom dia, fulano. Mesmo assim, sempre tem aquele que, dez minutos depois de ouvir o seu Bom dia personalizado, olha pra mim e diz: Bom dia, Michele, como se eu tivesse deixado de cumprimentá-lo!
Pode parecer rabugice, mas acho a ditadura do Bom dia uma falta de espontaneidade. Certa vez me rebelei. Só para implicar com um chefe ranzinza, chegava todo dia e dizia: Oi, Seu Fulano. Ele respondia: Bom dia, dona Michele. Insisti na rebeldia por um mês e descobri que é melhor não mexer na ordem estabelecida. Por fim, disse Bom dia. E fui procurar outro emprego.
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